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A SALA

Na sala que nada tinha de extraordinária ou excêntrica, o cigarro ainda queimava. Ele recostado a poltrona de tantos anos, observa a cena respirando com sofreguidão. Nada tiraria a atenção dele naquele momento. Ela ali, há poucos centímetros de distância dele, sobre o tapete branco de chamois, alvíssimo, mas que aos poucos tingia-se pelo puro carmim que dela escoara… ela ainda ria, sorria, olhava para ele com um ar de gratidão que não era concebível – como ela poderia estar grata depois de tudo que acontecera? – a poltrona tinha respingos do rubro sangue, a camisa dele também, não se sabe de quem era esse sangue… a essa hora os líquidos vitais mesclavam-se num só fio de vida.

Era o que ambos tinham, um fio tênue de vida. Ainda deu para ouvir as últimas palavras que ele proferiu: agora sim estou feliz!

Não sei se ela conseguiu ouvir, uma vez que suas pálpebras já estavam cerradas.

O tapete todo mudara de cor. Deslumbrantemente o vermelho vivo destacava naquela saleta completamente clara.

Ele tentou levantar-se, mas o esforço causou o rompimento de mais uma artéria que os fios de arame farpado rasgaram. Fluía dele com mais rapidez o que o matinha vivo. O coração palpitava lentamente. Os olhos não a viam mais. Um último suspiro.

Um cheiro férrico tomava conta do lugar e era absorvido pelas paredes. Ninguém sabia o que havia acontecido ali.

O sangue vertido se alastrava preenchendo os espaços da minúscula sala. Subia pelas paredes e dava a cor para cada uma delas.

O amor, a ira, a vingança, a paz, a morte exalada de ambos era absorvida pelas paredes.

Ninguém mais sabia o que acontecera ali.

Mortos os dois definitivamente.

Um tremor abalou o lustre. Paredes todas no chão. A sala oculta tudo o que aconteceu ali.